"Quem será, então, o artista do futuro?
Necessariamente, a comunidade de todos os artistas... A obra de arte do futuro é colectiva, e só pode decorrer de um desejo colectivo. Esse desejo, no plano prático, só é pensável na comunidade de todos os artistas; o que constitui essa comunidade é a união de todos os artistas, segundo o tempo e o lugar, em vista de um objectivo determinado.
É desta maneira - e não de outra - que o agrupamento de artistas do futuro tem que se constituir, logo que os una o objectivo da obra de arte, e não outro."

Richard Wagner in A Obra de Arte do Futuro

Editorial

Propostas de grupo nas artes plásticas vêm aparecendo pontualmente no decurso da história da arte. Mais por uma vontade de mudança, amplificação, busca de novos sentidos, de novos espaços dentro do mundo da arte e até fora dele, que propriamente em busca de legitimação e visibilidade individual para os elementos que formam esses grupos. O colectivismo tem criado espaços de livre encontro, onde os seus elementos podem criar, discutir e trocar ideias. O encontro implica pensar as relações humanas, a forma como estas acontecem ou o que fazem acontecer, implicando a existência do espaço enquanto espaço de acontecimento e de uso comum.
Os colectivos negam o individualismo na arte, reivindicam a liberdade e o experimentalismo. Tomam posições assumidamente paradoxais e contraditórias e as suas intervenções são caracterizadas por uma certa anarquia de estilo, ironizantes e paródicas. Intervenções colectivas artísticas em geral são caracterizadas por formas instáveis. Estas cumprem o seu papel quando são capazes de fazer conviver e gerar a partilha de relações, de pontos de vista e diálogo; um devir de partilha plural do mundo, uma construção deste que está sempre a acontecer; em que a obra não é nem poderá ser julgada unicamente pela sua plasticidade ou forma visual, mas pela sua capacidade de gerar encontros e colocar questões inerentes ao próprio mundo politico e social da arte. Não tem a haver com uma atitude única de mostrar, ou comunicar que seja, mas com o possibilitar posições dinâmicas – formas transitivas – de encontro, de partilha, de crítica e auto-crítica, apelando para a necessidade destas na nossa sociedade.
São intervenções de carácter essencialmente crítico, não institucional, não comercial, de cariz multidisciplinar que une muitas vezes o popular ao erudito, a cultura à contracultura, utilizando a ironia, a parodia a citação e a apropriação.
O interesse pela construção de um blog sobre colectivos artísticos em Portugal surge pelo facto de não existir nenhum do género e por eu própria fazer parte de alguns deles.
Começo a minha pesquisa a partir dos finais dos anos 50, pois ser este o ponto de viragem para a pós-modernidade, que caracterizou algumas das estratégias de associação desta altura, as quais ainda se verificam nos colectivos mais recentes.
Ao reunir todos estes casos/caos de colectivismo na produção artística contemporânea portuguesa, espero facilitar o conhecimento e a compreensão individual de cada um deles mas também descobrir onde convergem e onde divergem, o que motiva estas dinâmicas de grupo e o que os faz ser tão efémeros.

Recensão crítica

Twelve notes on collectivism and dark matter, é um pequeno ensaio de Gregory Sholette, publicado no Journal for Northeast Issues em Hamburgo, na Alemanha, em 2003 e novamente no catálogo 2006 Issue Fighters:Thought is made in the mouth, organizado pela Insa Art Space do Arts Council Korea. Pode-se aceder a este texto no arquivo deste blog.
Gregory Sholette é escritor e artista residente em Nova Iorque e membro fundador dos colectivos de artistas Political Art Documentation e Distribution and REPOhistory, é também co-editor do livro The Interventionists: A Users Manual For Creative Disruption of Everyday Life (MassMoca/MIT Press, 2004) com Nato Thompson, e Collectivism After Modernism: The Art of Social Imagination after 1945 (Universiy of Minnesota, 2007) com Blake Stimson. Colabora frequentemente com a artista Janet Koenig e está actualmente a trabalhar num livro para a Pluto Press sobre a economia politica do mundo da arte e o seu conceito de matéria negra criativa. É também professor assistente de escultura no departamento de arte e história de arte no Queens College.

Ao longo do texto Gregory Sholette enumera doze itens em que nos fala do colectivismo e da matéria negra – conceito tratado por este em diversos ensaios.
Trata-se de um ensaio com um lirismo recorrente nas imagens da cultura pop americana, onde Sholette começa por alertar que todos nós fazemos parte desse grande colectivo a que Deleuze denominou por Sociedade de Controlo. A questão que ele coloca é se “deveremos aceitar este tipo de involuntária, colectividade em série, ou procurar uma outra?”
Para tal Sholette identifica o colectivo com o conceito de arquivo de Agabem, como algo que se situa entre a Langue e o Corpus, “Langue, como o sistema de construção de frases possíveis (...) e o corpus que une o jogo do que foi dito. O arquivo é deste modo a massa do não–semântico inscrito em todos os discursos como uma função de enunciação”. Shoelette identifica o colectivo, ou melhor o colectivismo, como “a margem negra que cerca e limita todo o acto concreto de discurso.”

Esta é a base do conceito de matéria negra, “os 96% de massa desconhecida que dá forma ao universo visível e o impede de se desintegrar:” para Sholette o colectivismo é essa matéria negra nas artes plásticas, é como uma espécie de criatividade negra. Estruturalmente, porque todos os indivíduos pertencentes ao grupo estão ligados por uma prática comum, um corpus de todas as práticas realizadas que é o arquivo, aquilo que une e rodeia as práticas dos indivíduos pertencentes a esse grupo; ao nível da narrativa, pelo horizonte que se desenha à volta da prática colectiva do grupo, dentro do qual “a narrativa cultural convencional é construída”, e fora do qual esta deixa de existir. Mesmo nos casos dos que utilizam uma mescla de linguagens ou nos que reclamam o eliminar da autoria individual; em termos práticos os colectivos, assim como toda a espécie de criatividade negra incluindo a arte informal ou de amador, tornam-se invisíveis à máquina institucional da arte. Assim o arquivo potencia a presença de uma Langue artística, um conjunto de regras visuais organizadas com a função de abrir o campo artístico a toda a esfera social, como foi o caso dos Situacionistas, dos Construtivistas, da Fluxos ou todos os outros que reclamaram a dissolução da arte na vida quotidiana.

Sem uma historia ou uma explicação teórica adequada a actividade artística colectiva torna-se numa parte integrante do domínio da sombra do mundo da arte. A actividade colectiva é geralmente conduzida por formações sociais, circunstâncias económicas ou ocasionalmente por movimentos politicamente organizados que são exteriores ao mundo da arte; então segundo Sholette o colectivismo cai no discurso histórico da arte em dois modos de representação: “o do episódio curioso e o da mancha vestígio”. O primeiro relativo aqueles em que os seus membros se servem do cenário do colectivo para amadurecerem as suas carreiras individuais para além da participação na actividade de grupo. O segundo que categoriza os grupos tidos como amaldiçoados, vistos como uma sombra das vanguardas do início do século XX, filiados à politica totalitarista europeia.

A prática artística colectiva é tão complexa e imprevisível quanto as forças sociais e estéticas sobre as quais ela age, podendo muitas vezes representar um deslocamento virtual do paradigma. O colectivismo artístico contemporâneo é tipicamente caracterizado pela sua estética informal, anarquismo politico e pela sua abordagem performática à expressão da identidade colectiva em si. Na prática a sua abordagem inter-disciplinar é também frequentemente intervencionista. Muitas vezes as suas actividades aparecem ligadas a locais que nada tem a ver com a máquina institucional da arte, como sendo mercados de rua, praças públicas, sites de empresas etc. Por esta razão são considerados malditos e um perigo em relação à máquina institucional da arte, pois estão fora do seu alcance e têm o controlo sobre a própria produção e distribuição.

A matéria negra move-se entre as malhas da crítica e das estruturas do mundo da arte, mantendo um elevado grau de autonomia. Lugar que se encontra em risco devido às cada vez mais acessíveis tecnologias de comunicação, replicação, exposição etc. Tecnologias estas que tornam os artistas informais cada vez mais visíveis às instituições que antes procuraram exclui-los. Em relação a estas actividades cinzentas a máquina do mundo da arte nada mais pode fazer do que tentar fixá-las convertendo-as em objectos de consumo.

Hoje em dia as galerias patrocinam a nova geração de colectivos. A máquina cultural assimila tudo até o que até agora ficava fora do alcance do capitalismo, incluindo a arte radical e de vanguarda. Assim a máquina cultural não só reprime a actividade comum que corre “para o lado oposto das formas e da cobiça individualistas” como as transforma em novas marcas. Se por um lado existem colectivos artísticos contemporâneos que são organizados em função da moda no mundo da arte, há outros que operam dentro das contradições burguesas da esfera pública assumindo abertamente e com humor as suas linhas de culpa. Aparecem como um importante modelo de resistência cultural mas são no entanto são sol de pouca dura, pois são caracterizados pela sua natureza descontínua, instável, recorrendo à repetição e a tácticas de curto prazo.

Gregory Sholette faz uma apologia a um novo colectivismo. Consciente, com estratégias de longo alcance, tomando como campo de acção a matéria negra do mundo da arte. Uma matéria negra criativa que possa “cortar o poder e atacar o museu. Barricar a sua entrada com uma escultura do Richard Serra. Cobrir as suas janelas com pinturas do Gerhard Richter. Transformar os jardins de esculturas numa cooperativa de produtos biológicos, redimensionar a sala de reuniões para servir como centro de dia, colocar o bar sob a supervisão dos sem abrigo”.
Podemos ser defensores desta rebelião abordada por Sholette, mas a verdade é que apesar disso o poder institucional persiste e nós continuamos a venerá-lo e a adorá-lo. Pois depressa esquecemos que ao instituir a matéria negra criativa, dando-lhe um lugar no museu, esta perde o seu potencial de ruptura.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Conversa de Vanda Madureira com Pedro Proença acerca da Homeostética.

Pedro Proença no Hapening Metapelho, de Pizz Buin, Junho 2008.

Lisboa, 27 de Março, 2008.

Fala-me dos Homeostéticos
Produzíamos muita coisa, como acontece em todas as coisas deste género. Depois vêm os historiadores e fazem histórias muito bonitas, outros fazem histórias muito pouco interessantes.
Em 2004, fizemos a exposição em Serralves, foi uma iniciativa nossa, com interesse também da Marta Moreira. Tivemos alguma resistência interna, tivemos problemas na montagem, a pessoa que estava encarregada do catálogo fez uma série de obstruções, depois meteu férias, o catálogo foi impresso com as cores todas trocadas, foi um problema topográfico, que depois acabou por correr bem, refizeram o catálogo de um dia para o outro.
Eu quando fui para a escola já estava confiscado a trabalhar com outras pessoas...

Pois, a Homeostética surgiu no contexto da ESBAL, vocês juntavam-se todos no átrio...
Não era assim tanto no átrio, o que aconteceu foi: (agora vou fazer a minha versão que é uma versão parcial.) Eu quando fui para a escola já estava confiscado a fazer qualquer coisa, a trabalhar com outras pessoas e aconteceu, conheci uma pessoa (não me lembro do nome), com quem fiz um primeiro grupo os Neo-Canibal, também entrava nesse grupo o Manuel João Viera, filho do João Vieira, que tinha sido meu professor na Sociedade Nacional de Belas Artes e com o qual já mantinha uma relação, para além de que já o conhecia desde miúdo, desde os 12, 13 anos, a seguir ao vinte e cinco de Abril, digo miúdo... ele é da minha idade, um mês mais novo, mas pronto, era um tipo que brincava com bonequinhos, depois fazia umas bandas desenhadas de um rato, O Super Tarado Sexual (uma coisa tipo Robert Crumb); era uma personagem meio criança mas depois com este lado já mais adulto (ele se calhar ainda é um bocado assim). Depois na ESBAL ouve outra pessoa com quem eu me dei, não estava virado sequer para fazer pintura e dizia constantemente “ Eu odeio Arte de vanguarda!”, era o Pedro Portugal, dizia “Arte de vanguarda é feio.”,era um tipo que ía para design gráfico supostamente, depois no meio disso surgiu a ideia de fazer uma revista que estivesse ligada a escola e foi ele que apareceu com a palavra Homeostética, começamos a espalhar uns cartazes que enunciavam a chegada da revista. Basicamente a Homeostética era uma ideia de uma revista, que tinha haver com complexidade, com coisas que só depois voltaram a ser faladas mais nos anos noventa. A coisa foi evoluindo eu, o Manuel João, o Pedro Portugal... e entretanto havia um grupo com quem fazíamos uns filmes ao fim de semana, eram todos designers, o Filipe Alarcão, o Silva Dias, o Francisco Ferro, percussionista dos Ena Pá 2000, mais uma serie de pessoas que costumavam passar connosco uns fins de semana em Azeitão, hoje em dia são realizadores de cinema. Sempre que havia férias ou períodos livres maiores íamos para umas quintas com casas abandonadas, uma do Pedro Portugal na Capinha, outra ao pé de Chaves, em Vidago, Aneilhe, andávamos aí a circular de bicicleta, de automóvel, de comboio, daqueles comboios que havia, que andavam para aí a trinta à hora, que as pessoas iam à varanda, (isso tem algumas fotografias no catálogo) e era esse o espírito.
Depois ouve uma pessoa com em eu me comecei a dar, (eu na altura era um bocadinho pretensioso e andava ali sempre em cima das pessoas) achei que tinha haver um bocadinho connosco, e estava ligado ao teatro (havia um grupo de teatro nas Belas Artes, eu ía de vez em quando lá pondo os pés) era o Xana. O Xana apesar de ser um bocadinho mais velho, tinha haver connosco os três. No verão, eu e o Manuel João fomos ter com ele ao Algarve e andamos para lá a tocar nas ruas. Depois resolvemos fazer um exposição no principio do ano lectivo, Outubro, Novembro do ano de 82 , quando estávamos a decidir acerca dessa exposição houve até uma espécie de duelo entre o Manuel João e o Cavalheiro, um tipo que fazia umas bandas desenhadas, fazia desenhos de rua para os turistas, ainda hoje vive de ilustração infantil, ele tem imenso jeito para isso, fazia parte do grupo da linha, com o José Eduardo Rocha, o R.I.P., ele não era pintor, era uma personagem um bocado naife, entrava como actor nos nossos filmes.
Ainda no contexto da ESBAL, apareceu por lá um artista, que estava assim um bocado fora do esquema mas que acabou por fazer parte do nosso grupo, era o Ivo, era muito produtivo, fazia umas pinturas um bocado abstractas, não conseguia desenhar académico, tinha uma falta de jeito enorme e dentro do nosso ano era um tipo que já tinha mais anos de trabalho, tinha um trabalho mais maduro e acabou por ser arrastado para a exposição. Primeiro que fizéssemos a exposição, ainda demorou, eu lembro-me que havia uma sala da associação de estudantes que estava fechada à algum tempo, tinha havido uma exposição de arte postal ou qualquer coisa assim do género, e que resolvemos reabrir para fazermos exposições, para incentivar toda os alunos a expor lá, fez-se a abertura dessa sala na altura em que houve a exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes do Depois do Modernismo, uma exposição organizada pelo grupo da SEC (secretaria do estado e da cultura), o Julião Sarmento, Cerveira Pinto, Leonel Moura, Luis Serpa da Galeria Cómicos, os artistas do costume, o Ângelo, o Lapa, no caso deles era o regresso à figuração, e nós acabamos por fazer uma exposição com outros artistas além dos Homeostéticos, eu, o Xana e o Manuel João, onde foi feito pelos alunos do quarto ano, um painel gigante de 7m e qualquer coisa, As Suecas, com colagens, depois havia mais artistas com coisas ao meio da sala, a exposição chamou-se Onze Anos Depois. Teve alguma visibilidade, porque houve uma serie de conferencias apareceu lá o José Armando Uchela, nessa altura nos debates, entrei um pouco em diálogo com o Ernesto Sousa, e acabei por ter uma relação estreita de amizade com ele, porque alinhei em posições dele, contra as posições dominantes da altura, que eram um bocado contra o trabalho de grupo, a favor de atitudes individualistas, eram quase as teorias do Broudrilhard e as teorias da simulação: - não havia nada para acontecer de novo,( isto é engraçado, uma pessoa como o José Armando Uchela assumir estas posições) só restava fumar ópio, mas é compreensível, na altura estavam em turmados nessas opiniões por uma questão de sobrevivência, mas depois mudaram; essa exposição foi em Fevereiro de 1983, depois acabámos por fazer a exposição Homeostética, mais ou menos como abertura de ciclos de exposições em meados de Maio desse ano. Na altura fizemos para a exposição uma espécie de coisa musical, (muito má) uma daquelas coisas, gravadas naqueles gravadores de bobines, (uma coisa assim á John Cage eu até queria meter isso na exposição em Serralves) que era uma mistura de sons de maquina de lavar loiça, com pandeireta, o Xana depois também juntou uns sons da rua que tinha capturado no Terreiro do Passo, íamos pondo uns discos, íamos tocando não sei quê, íamos recitando, fazendo barulhos com as gavetas, era uma espécie de banda sonora que acompanhava a exposição, também tínhamos uma espécie de hino, cantado em coro, que era hino da RTP do início da emissão e pronto trabalhamos as nossas memórias, coisas que tinham haver com a nossa infância, uma parodia ao meio todo, no meio de uma atitude que estava a surgir um bocado séria, ligada ao comercio, nós por um lado tínhamos uma relação com o nosso passado português irónica, assumíamos o nosso provincianismo em relação ao internacional e ao mesmo tempo tínhamos um certo desprezo pelo mainstream, todas estas ambiguidades apareciam no nosso trabalho assim como a nossa relação com o Ernesto, há um texto, que fala das relações de objectos estranhos e as coisas mais de lobby, a exposição chamava-se Um Labrego em Nova Iorque, e insistimos muito no trabalho em grupo, estas coisas de andarmos de um lado para o outro, todos uns a falarem com os outros, numa espécie de alegria festiva que de certa forma fazia o racord com o Ernesto Sousa, a nível de teorias também, só que eram misturadas com outras coisas, com a ideia de canibalismo, uma espécie de neo dadaísmo relaxado, (mais para o consumo privado do que para outra coisa) penso que tem haver com a nossa geração, donde também podemos incluir pessoas como o José Eduardo Rocha, o Rui Zinc, que viveram o pós 25 de Abril numa versão em banda desenhada, e é a relação de banda desenhada com a revolução que cria este lado mais geracional.

Pedro Proença no Hapening Metapelho, de Pizz Buin, Junho 2008.

E as exposições, como surgem?
As exposições... A primeira, em Maio de 83, foi aquela com a banda sonora de que falei, feita com o que a gente andava a fazer na altura, cada um tinha a sua coisa; a segunda foi a tal Um Labrego em Nova Iorque, em Dezembro de 83 já tínhamos um bocadinho mais de linguagem tomada, mas também tinha muito do que andávamos a fazer, a terceira aconteceu em Portimão e intitulava-se Se em Portimão Houvesse Baleias, foi em Maio de 84, uma altura em que todos nós começamos a ser integrados no circuito, foi super rápido e super chato. Depois ouve uns problemas entre nós, aquelas coisas que acontecem sempre... Foi um período em que as coisas estavam um bocadinho mornas e foi aí que apareceu o Fernando Brito, que era uma pessoa mais velha, tinha acabado as Belas artes, nós conhecíamo-lo de lá, era amigo do José Eduardo rocha, fazia parte tal grupo RIP, era conhecido pelo profeta, era um tipo que tinha a mania de carros antigos, passava a vida a tocar e tinha uma atitude um bocadinho estranha, meio anarquista, meio niilista e fazia umas pinturas hiper-realistas com aviões, carros, e cenários de arquitectura modernista, ele estava sempre a querer entrar para o nosso grupo, e a certa altura comecei-me a dar com ele e comecei a integrá-lo em projectos de revistas, foi o período de renascimento de uma coisa que estava moribunda. Foi uma segunda vaga. Tínhamos o projecto da revista Os Filhos de Átila, íamos fazer o numero três, com o Fernando Brito já tinha que ser com um design especifico...

E os manifestos que aparecem no catálogo de Serralves, o design, o tipo de letra era dele?
Sim o tipo de letra foi ele que criou. Depois eu continuava a dar-me com o Manuel João e fizemos uma revista Homeostética que era Os Carro Ilustrado, também era muito mau ,era assim o pior que a gente conseguia fazer.
Em finais de 85, princípios de 86, convidaram-me para fazer uma exposição e eu propus uma exposição Homeostética, era a quarta e foi em Coimbra na CAP (Círculo de Artes Plásticas), chamava-se Educação Espartana, que era uma exposição pseudo-conceptual em alguns aspectos noutros não, fizemos uma sessão em que espezinhamos o Fernando Brito na escadaria, fizemos umas fotografias engraçadas. Foi um ano muito intenso, em que nós não passamos muito tempo na escola, apesar de ser o nosso último lá. Houve uma exposição em Amesterdão com alguns dos Homeostéticos, estivemos lá umas três semanas, fomos convidados por uma escola de artes à margem, porque eles queriam fazer um inter-cambio com Portugal, mas depois não conseguiram, tentaram com as Belas Artes, mas as Belas Artes na altura era assim o mais casapiana e académica possível, depois tentaram com o Arco, com quem fizeram um protocolo e levaram o Ivo, o Francisco Rocha, escultor, depois um aluno de fotografia, aquelas coisas um artista de cada área, nós arranjamos maneira de ir lá parar, ficamos numa casa ocupada, conseguimos uma bolsa da Gulbenkien para fazermos a viagem e podermos levar as obras, arranjamos um pé de meia para sobrevivermos e assim foi. Foi uma exposição engraçada. Depois fomos para Madrid, esse ano o Arco foi em Abril. Estava frio e ficamos numa pensão muito rasca, lembro-me também que havia uma crise internacional por causa do Kadafi e do Ronald Regan, era uma iminência de uma nova guerra, havia troca de insultos, em que um deles chamava ao outro “perro rabioso” (isto nos jornais espanhóis), e era neste contexto, a Guernica tinha regressado a Madrid, tinha estado em Nova Iorque durante uma série de anos, eu lembro-me que fomos vê-la, foi aí que surgiu a ideia de fazer-mos peças enormes, colossais que apresentamos na exposição Continentes, no fundo foi a nossa exposição de fim de curso, mas não foi nada disso, porque nós na escola éramos um bocado mal vistos, éramos uns selvagens que trabalhávamos nos corredores, porque as salas de aula eram pequenas. Houve um período que tivemos bastantes problemas. Na exposição Continentes convidamos o Filipe Alarcão para fazer uma grande secretária, convidamos a Inês Simões, que era pintora mas que acabou por enveredar por o mundo da moda, fizemos um concerto de Ena pá 2000, e um acontecimento mediático, isto na Sociedade Nacional de Belas Artes, que era um local emblemático, tinha sido lá a Alternativa Zero do Ernesto Sousa, depois os Arquipélagos, do Pedro Cabrita Reis e seus os amigos e a seguir nós, fizemos o catálogo mais ou menos com o mesmo tamanho do deles, havia pressupostos teóricos por trás da nossa exposição, era dedicada ao Ernesto Sousa, não tina os currículos, não tinha o aparato de legitimação que tinha os Arquipélagos, era mais frontal, mais de imagens, foi uma exposição com bastante força, podemos dizer que foi a exposição terminal, mas também foi a exposição onde estava tudo presente; arranjamos um sítio enorme para trabalhar dois ou três meses, onde as peças tinham todas um certa influência, tinham citações umas das outras, e depois a palavra continentes a falar de uma certa interacção, a teoria de universo ser um cubo, depois a ideia do 6=0, esta tudo sintetizado ali no meio. Nessa exposição talvez a pessoa que teve menos envolvida foi o Xana, que estava no Algarve e tinha estado esse ano em Veneza, estava assim numa atitude mais de vedeta mas pronto fez as suas peças, que eram peças engraçadas, umas esculturas coloridas feitas de cartão, não sei onde é que estão, desapareceram mas há imagens no catálogo de Serralves. Na montagem tive uma discussão com o Xana, é daquelas coisas que acontecem, faltava uma hora para a inauguração, ele estava a ser intransigente com questões que tinham a ver com a montagem e as outras pessoas já estavam a ficar chateadas, vieram me pedir não sei quê e eu que sou uma pessoa geralmente muito calmo e sossegadinho cheguei lá e dei uns gritos, depois da inauguração disse-lhe: - É pá ó Xana, não nada chateado contigo, tive que gritar, para ver se isto funcionava. Mas acho que ele ficou chateado comigo, já tinha havido umas fricções e ele ficou a acumular, continuamos a dar-nos, mas o ambiente foi um bocadinho esfriado.

No Expresso diz que as vossas intervenções terminaram em 88
Isto foi em 86, ainda estamos em 86, o que aconteceu depois, foi que... esta coisa com o Xana estava um bocadinho... Passados uns meses eu, o Pedro Portugal e o Manuel João Vieira conseguimos alugar uma casa, a mãe do Manuel comprou uma casa e nós pagava mos lhe uma renda. É a casa onde ele vive agora, passou a ser o nosso atelier, o Manuel ficou atrasado um ano na escola, mas como tínhamos o atelier, continuávamos a trabalhar juntos ... estava sempre montes de gente por lá, o Fernando Brito também costumava aparecer. Nós chamávamos aquilo Fundição, depois mais tarde passou a ser a Fundição 2. Havia dois grupos rivais era eu e o Manuel João Vieira versus Fernando Brito, Pedro Portugal, tínhamos um projecto de exposição chamado Complexidades. (continua...)